Obra de Deus
Carmen Sílvia Musa
Lício
Lá pelo ano de 2020, um
senhor que morava em uma casa bem em frente à minha, começou a me procurar,
perguntando se eu poderia esquentar a sua marmita no meu micro-ondas.
Ele tinha uns 45 anos e
estava fazendo parte de um grupo que fazia reformas e pinturas no conjunto
residencial onde estava. Ele morava lá por ser o seu local de trabalho e veio
de Ribeirão Preto, SP.
Depois de um tempo trazia
só arroz e feijão para esquentar. Eu fiquei com pena e colocava carne e, depois
de esquentar, colocava salada.
Aos poucos fui conhecendo
a sua história. Seu nome era Moisés. Era caminhoneiro e, como havia se tornado
alcoolista, foi demitido. Esta foi a única oportunidade que encontrou para
poder se sustentar; abandonou a sua família e veio morar em São Paulo.
Após algumas semanas pude
perceber que estava novamente tomando muita bebida alcoólica, o que estava
atrapalhando novamente a sua vida. O
senhor que o contratou só não o mandou embora por pena. Eu pedi para ele ter
paciência...
Uma vez, estava sentado na
pequena escada que ficava em frente à sua pequena casa, muito triste e choroso.
Quando me viu, se levantou e veio conversar comigo, em frente ao portão da
minha casa, e contou que não estava mais aguentando esta vida e que não sabia
mais o que fazer para se livrar do álcool e sentir paz no seu coração. Eu
procurei falar com calma, e disse que só Deus poderia ajudá-lo nesta situação;
que ele só sentiria paz se tivesse Jesus no seu coração. Expliquei como é a conversão a Jesus e ele me
perguntou como poderia fazer isto. Eu disse que se ele quisesse aceitar a Jesus
no seu coração poderia orar comigo, repetindo as minhas palavras. Ele disse que
sim e eu comecei a orar. Lá pelas tantas, ele gritou bem alto, olhando para o
Céu: – "Jesus, vem morar no meu coração! Eu o aceito como o meu Salvador".
Gritou tão alto que toda a
vizinhança veio para fora para ver o que estava acontecendo. Confesso que
fiquei até um tanto constrangida e envergonhada, mas é bem melhor ouvir isto do
que ver uma briga...
Depois perguntei se ele
queria uma Bíblia, o que ele agradeceu, e começou a ler todos os dias, por
várias horas. Até o seu semblante mudou...
Após uns 3 meses veio me
procurar e disse que havia voltado a usar álcool. Estava muito triste.
Conversei com ele e perguntei se queria que eu visse uma clínica de
reabilitação. Aceitou e tentei algumas evangélicas, mas estavam todas lotadas.
Após algum tempo ele caiu da escada e teve uma torção na perna. Consegui um
atendimento na UPA e a sua perna direita foi enfaixada. Tinha que usar bengala
e eu acabei dando a bengala que eu tinha de lembrança do meu pai, já falecido
há décadas.
Depois consegui um
atendimento na PMSP, onde foi acolhido e levado a uma clínica de reabilitação.
Ficou lá por 2 meses e
quando saiu conseguiu um emprego como caminhoneiro novamente. Foi para Ribeirão Preto, onde a sua família
morava, e veio se despedir de mim, agradecendo muito o que eu fiz por ele,
dizendo que quando viesse a serviço para São Paulo viria me visitar.
Nunca mais o vi, mas
quando me lembro dele peço a Deus que continue abençoando-o e fazendo a Sua
obra na sua vida.
Mais um testemunho de como
Deus pode nos usar para transformar vidas...
Vida Transformada
Em meados de 2002 eu
estava no Posto de Saúde atendendo os usuários, como sempre. Nesta época eu era
Auxiliar de Chefia e tentava, dentro do possível, resolver os casos mais
difíceis que chegavam a mim.
Fui procurada por um
senhor de aproximadamente 60 anos, com suspeita de câncer de língua. Estava
muito difícil conseguir uma vaga em qualquer hospital de referência, pois as
portas estavam fechadas; inclusive as vagas de 'câncer de boca' para o ano já estavam
lotadas e estávamos ainda no mês de maio!
Demorei uns 20 dias,
ligando para onde você possa imaginar. Enfim consegui uma 'alma caridosa' que
passou por cima das regras, 'benditas' regras, e conseguiu a consulta mais
rapidamente. Após a biópsia, o diagnóstico esperado. Vinha então um novo desafio. Ele foi
encaminhado para fazer radioterapia no ABC e não tinha dinheiro para a condução
(2 passagens intermunicipais e 4 passagens municipais) e o tratamento durava 40
dias. Liguei para muitas pessoas para ver uma maneira de conseguir, e,
finalmente, consegui que ele fizesse o tratamento...
Conversei muito com ele sobre
a necessidade de não mais fumar nem beber, fazer o tratamento direitinho e que,
humanamente, estávamos fazendo tudo o que era possível. Incentivei-o também a
procurar alguma igreja, dessas que têm o dom de cura e que não lhe 'cobrasse
dinheiro'. E assim foi; parou de fumar e de beber e fez uma campanha de oração
em uma igreja evangélica.
Após a quimioterapia,
sofreu uma cirurgia que retirou uma parte lateral posterior da língua. Estava
muito magro e fraco, além de morar sozinho. Disse que a sua família não se
importava com ele (talvez por ser alcoólatra). Não me ative muito à sua
família, pois deu para perceber que os relacionamentos familiares estavam
rompidos.
Ele conseguiu com a
assistente social do hospital onde fez a cirurgia alimento completo, que vinha
em 'caixas longa vida'. Mal conseguia alimentar-se, tendo sido necessário
colocar uma sonda naso- gástrica por onde introduzia o líquido.
De vez em quando vinha nos
procurar para lavar a sonda, que entupia devido ao líquido ser bem espesso.
Nesta época confesso que pensei que não conseguiria superar esta fase, pois
estava muito abatido, tanto física quanto emocionalmente. Isto me preocupou,
pois era uma brecha para a doença evoluir.
Procurei melhorar o seu
estado de ânimo e continuei a falar que 'para Deus não há impossíveis'. Fez um
tratamento de fonoaudiologia e conseguiu reabilitar a sua fala! Ficamos muito
felizes. A cada vitória, comemorávamos juntos.
Depois perdi o contato com
ele. De vez em quando o encontrava na rua e conversávamos um pouco...
Após muito tempo um senhor
veio me procurar perguntando se eu estava me lembrando dele. Olhei com atenção
e vi que a sua fisionomia me era familiar (o engraçado é que eu sou boa
'fisionomista'). Quando ele começou a falar, percebi que era 'o próprio, ao
vivo e a cores!' Estava completamente mudado. Mais gordo (não obeso), corado,
alegre e falante. Foi um momento inesquecível!
Após 4 anos de 'capítulo
após capítulo', eu o via renovado, tanto física quanto emocionalmente!
Contou que estava
completamente curado, com alta médica e tudo o mais; que conseguiu, através
daquela assistente social, uma aposentadoria de um salário mínimo que dava para
os seus gastos pessoais. Então contou-me que, através de um amigo, pela
Internet, reencontrou um irmão que tinha se 'perdido pela vida e pelo mundo' há
mais de 20 anos; que já fora lá visitá-lo e estava morando com a família.
E tem mais, conseguiu um
bilhete de passagem gratuita tanto para a sua locomoção dentro da cidade de São
Paulo, como intermunicipal e, pasmem, interestadual. Começou a viajar para
outros lugares, começando por Curitiba – para rever o irmão e conhecer os seus
sobrinhos...
Tirou muitas fotos, que
mostrou para mim, com um misto de satisfação e orgulho. Emprestou-me até um DVD
onde está registrado a sua viagem de trem para Paranaguá, com a família do seu
irmão.
Depois 'pegou o vício' e
começou a viajar por aí, indo para Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Vitória...
Como não tem dinheiro para pagar algum lugar para pernoitar, viaja à noite,
enquanto dorme; passa o dia conhecendo o local e volta à noite para São Paulo.
Foi assim que acabou conhecendo o Rio de Janeiro, pois não tinha passagem
gratuita na noite seguinte para regressar de Belo Horizonte à 'terra da garoa'.
Acabou conseguindo uma passagem para o Rio de Janeiro, e embarcou!
Sempre que volta das suas
viagens vem ao posto trazer as fotos para eu 'conhecer o local'. Como a máquina
fotográfica é emprestada do irmão, dei uma câmera fotográfica que eu tinha
guardada no 'fundo do baú'. Ele demonstrou muita alegria e disse que estava
para ir à Blumenau e que me traria umas fotos tiradas com a sua nova
máquina. Pedi então para tirar uma foto
dele lá. Ele tirou e me trouxe... Tenho
até hoje de lembrança!
Não é uma vitória???
Aliás, muitas, muitas vitórias!
Aborto Provocado
Estava de plantão no PS de
um hospital, na zona sul de São Paulo, quando chegou uma moça passando mal.
Perguntei o que aconteceu e a sua acompanhante me contou que ela havia tomado
um remédio para provocar o aborto do feto que estava no seu ventre, de
aproximadamente 2,5 meses de gestação.
Ela mal conseguia falar.
Chamei o médico e contei o que aconteceu.
Como ela estava com muitas
contrações, ele pediu para a levarmos para a Sala de Parto. Lá, após algumas
contrações fortes, saiu o feto, ainda dentro da bolsa amniótica inteira, com o
líquido amniótico.
Eu o peguei com a luva,
enquanto o médico cuidava da paciente.
O feto não parava de se
mexer, desesperado. Isto me chamou a atenção, pois parecia estar passando muito
mal e se debatia sem parar, apavorado. Eu fiquei sem saber o que fazer, pois
não havia o que pudesse fazer para salvar a sua vida, de aproximadamente 10
semanas.
Logo depois o médico veio observar
e viu também o seu sofrimento...
Eu, para consolar o feto,
envolvi as minhas duas mãos em volta dele, tentando aquecê-lo e fazê-lo
sentir-se mais seguro. Ele se acomodou nas minhas mãos e morreu depois de
poucos minutos...
Eu e o médico nos olhamos,
e lágrimas escorriam dos nossos olhos.
Nunca havia passado por
uma situação destas e vi como os fetos, mesmo com menos de 3 meses de gestação,
sofrem muito quando são abortados.
Nunca mais me esqueci
desta história.
Agora querem que o aborto
seja legalizado, pois é um 'direito da gestante'. E o direito do pequeno ser
humano, que nem consegue se defender?
Se não quer dar à luz, que
evite a gestação usando camisinha, anticoncepcionais...
Depois que engravidou, que
leve a gravidez até o final, e, se não o quiser, que o entregue para os
familiares ou para adoção...
Conversão de José
Wilson Lício
José Wilson, apesar de ser
filho do rev. Wilson Nóbrega Lício, pastor Evangélico, se dizia ateu. Não acreditava
mais na existência de Deus devido a algumas decepções...
Um dia, conversando com
ele, eu disse que no dia que ele precisasse de uma ajuda maior, fizesse 'prova
de Deus', pois na Bíblia há um versículo onde fala para O colocarmos à prova.
Depois de um tempo, houve
o 'Plano Collor', onde todas as pessoas que tinham mais dinheiro no banco o
perderam para o governo. Para não permitir que os seus colaboradores fossem à
falência, ele os pagou e ficou zerado.
José Wilson era decorador
e fazia decoração para empresários ricos, que moravam em São Paulo e Ribeirão
Preto (SP).
Um dia ele foi entregar
mais uma mansão decorada por ele. Ele fazia, muitas vezes, desde a escolha do
terreno, a planta da casa, a decoração da casa e até do jardim.
Quando estava mostrando ao
dono e à sua esposa a decoração do interior da casa, se lembrou de dois tapetes
que ele importou da Índia, lindos, grandes e caros. O cliente que os havia
encomendado acabou por desistir, devido à situação econômica do País; e o José
Wilson ficou com o prejuízo, pois já os tinha importado e pago.
Os tapetes eram grandes, um
de 3x5m e outro de 5x7m. Foi nesta hora que se lembrou do que eu dissera e,
segundo ele, fez uma 'oração porca':
– Deus, se é que você
existe mesmo, faça com que este
homem compre um dos tapetes, para me tirar dessa situação.
Falou para o senhor que os
tapetes eram lindos e que ele poderia consultar a sua esposa sobre a sua
compra, pois ficariam perfeitos na sala de jantar da mansão.
O senhor disse que não iria
falar com ela, pois ela só sabia gastar...
Sem desistir, ele orou
mais uma vez, em silêncio, falando para Deus, que se Ele existisse mesmo, que
um milagre acontecesse.
O homem resolveu então ir
falar com a sua esposa e enquanto estava no caminho da sala para a cozinha,
José Wilson fez a sua última oração. E nesta mesma hora, o senhor se virou e
disse:
– Não vou falar com ela,
não. Vou fazer uma surpresa! Vou comprar
o tapete maior.
Voltou para onde o José
Wilson estava e o encontrou com lágrimas escorrendo pelos olhos...
E assim Deus se manifestou
para o meu querido irmão José Wilson, que se tornou crente, aceitando também a
Jesus como o seu Salvador.
Glórias a Deus!!!
Aprendizado para toda a Vida
Eu tive um amigo que me
era muito caro. Um rapaz inteligente que conheci desde que éramos pequenos
ainda. Morávamos próximos e sempre visitava a sua família e ele a minha. As
nossas famílias eram muito amigas. Brincávamos pelas ruas do bairro de
Pinheiros, em grupos, e também a sós. Eram momentos de muita alegria.
Ele era realmente muito
inteligente, além de esforçado. Tocava piano com maestria, falava sobre as
plantas, quando via alguma em algum vaso ou pelas ruas e parques. Dizia os
nomes científicos, como deveriam ser cuidadas. Ao ver um aquário, falava sobre
cada um dos peixes, como deveriam ser cuidados, como deixar um aquário
autossuficiente, de modo a não precisar ser esvaziado e limpo... Amava
Astronomia e, ao ver as estrelas, discursava sobre cada uma delas, seus nomes e
a qual constelação pertenciam. Tudo isto e muito mais, mas sempre com
humildade, de uma forma tranquila, com bom humor, sem querer ‘aparecer’.
Quando chegou ao final da
adolescência, resolveu cursar Medicina. Sendo estudioso, entrou em duas
faculdades, escolhendo ir para Campinas, onde começou a fazer o seu curso.
Depois desta fase eu quase não tinha quase notícias dele, a não ser pelos seus
familiares, além de serem notícias esporádicas.
Depois de um tempo, pouco
mais de um ano, desistiu, retornando a São Paulo. Passou um tempo em depressão
e depois começou a trabalhar como ‘office-boy’ em Pinheiros e arredores. Pouco
o encontrei ou conversei com ele nesta época, inclusive por eu ter me mudado de
lá com a minha família. Uma vez o encontrei no Largo de Pinheiros e quando
perguntei por que resolveu
ser ‘office-boy’, respondeu laconicamente que era bom, pois andava durante todo
o dia e assim, ao voltar para casa, dormia logo, de tão cansado, e não ficava
pensando, à noite, nos problemas da vida.
E o tempo passou...
Depois de alguns anos
soube que ele resolveu novamente tentar fazer Medicina, e mais uma vez entrou
em uma excelente faculdade pública em São Paulo, com excelente classificação. E
assim acompanhei, de longe, o seu esforço para cursar a faculdade, sendo sempre
muito bem avaliado.
Um dia, quando eu estava
terminando a Faculdade de Enfermagem na USP, ele cursando o quarto ano de
Medicina, meu pai recebeu um telefonema onde disseram que ele estava internado
na UTI do Hospital das Clínicas, em estado grave. Fiquei consternada, sem saber
o que pensar a respeito, só querendo vê-lo e saber como estava. Fui correndo
para lá, ainda com o uniforme de estudante, o que me facilitou a entrada. Vi
que estava mesmo muito mal, em estado de coma, com traqueostomia. Ao conversar
com os médicos, eles me disseram que o seu estado era grave e que dificilmente
sobreviveria.
Soube então da sua
história. Seus pais resolveram viajar para o litoral e ele disse não querer
acompanhá-los para ficar em casa e estudar para uma prova. Seus pais saíram de
carro e logo depois resolveram voltar, pois seu pai havia esquecido um
documento. Assim que chegou à sua casa, chamou pelo filho, que não respondeu.
Subiu as escadas que dava para o andar superior e logo viu a porta do banheiro,
entreaberta, com barulho de água corrente. Entrou e viu o filho sentado na
banheira de ‘ofurô’, com os pulsos cortados, com o sangue jorrando até o teto.
Ficou desesperado, fez um torniquete no braço, chamou a ambulância, que o levou
ao Hospital das Clínicas.
Ele era um rapaz magro,
alto, mestiço de japonês com brasileira, muito bonito. Eu não conseguia
entender o que poderia tê-lo levado a um ato tão extremo. Ficava imaginando a
sua aflição por algo que estava tirando a sua paz e a tristeza profunda dos
seus pais, irmãos e familiares...
Comecei a visitá-lo todos
os dias, após o meu estágio no próprio HC, e depois, mais à noitinha, após o
término das aulas teóricas, no prédio ao lado. E sempre que ia lá, pegava na
sua mão e conversava com ele, mesmo ele estando em estado de coma profundo.
Dizia que era o meu amigo preferido, que o amava como a um irmão, que a sua
vida era muito importante para mim, para os seus parentes e amigos. Sempre,
antes de entrar na UTI, lia algum versículo da bíblia que falasse sobre o amor
de Deus, sobre a sua imensa bondade, discorrendo depois sobre o texto. Sabia
que algo muito sério deveria ter acontecido para que ele desistisse assim da
vida e queria tocar o seu coração, pois sabia que só sairia dali vivo se ele
mesmo quisesse e lutasse pela sua própria vida.
Uma vez um dos alunos de
medicina, que cuidava dele, me contou que era seu colega de faculdade e
relatou-me alguns fatos que aconteceram com ele, mas nada que justificasse toda
esta tragédia. Eu percebia que havia uma razão muito séria por trás de tudo aquilo
e orava para que Deus me desse a Sua sabedoria, para que eu pudesse chegar ao
seu coração e tocá-lo de alguma forma. Pedia também para que Deus me desse
tempo suficiente e a melhor forma de falar de Jesus para ele, que segurasse a
sua vida até ele ouvir sobre a verdadeira mensagem do evangelho.
Depois de passados uns 15
dias, eu estava falando com ele, segurando a sua mão quando, de repente, eu
disse:
– Olha, eu estou vindo
aqui todos os dias. Tenho falado com você, sem ao menos saber se você me ouve
ou se me entende. Não sei se estou falando com as paredes... Se você está me
escutando, dê algum sinal, por favor! Pode ser um aperto de mão, um piscar de olhos,
qualquer coisa... – E fiquei atenta.
De repente, senti um
aperto de mão forte, o que me deixou muito surpresa e feliz, já que os médicos
diziam, sempre, que eu estava falando com uma ‘planta’, pois ele nada poderia
escutar, já que estava em um coma profundo. Diziam isto para que eu aceitasse a
sua condição, e me conformasse.
Depois de saber que ele
não só me escutava, mas também conseguia me entender, comecei a falar de uma
forma mais clara e direta, pedindo a ele para que, se concordasse comigo, me
apertasse a mão; se não, ficasse quieto. Quando não apertava a mão, pedia então
para que, se não concordasse comigo, apertasse então a minha mão. E começamos
assim a nossa 'conversa’.
Uma vez, antes de ir para
o HC, passei pelo Largo de Pinheiros, onde pegaria outro ônibus para lá e, sem
querer, enquanto conversava com um rapaz, ainda no ponto de ônibus, quando
contei deste meu amigo, ele começou a contar que ele havia sido seu colega lá
em Campinas.
Eu fiquei chocada com esta
‘coincidência’. Contou-me um pouco das razões que levou este meu amigo a
desistir de ficar lá e terminar o seu curso, já que era um excelente aluno.
Disse que ele, sendo de uma família evangélica, resolveu morar em uma república
onde haviam vários rapazes. Um dos seus companheiros de quarto procurou-o no
meio da noite, tentando manter uma relação sexual com ele, que ficou chocado,
pois este rapaz era um dos líderes da igreja evangélica local. Não ficou claro
para mim, nem para este rapaz, até que nível chegou este possível
relacionamento. Só sei que foi por esta razão que ele abdicou do seu sonho de
se formar em Medicina, voltando para São Paulo desesperançado, atormentado e
deprimido, além de não mais confiar em Deus, na igreja, onde fora criado por
tantos anos. Percebi que
não se sentia digno do
perdão de Deus por tal ato. Lembrei-me então de como estava descrente quando o
encontrei no enterro da sua avó, pouco tempo depois da sua volta de Campinas.
Então consegui entender um
pouco da provável razão para ele ficar tão desacorçoado, sem acreditar mais no
ser humano, na igreja, na vida, em Deus! E continuei a visitá-lo todos os dias,
sempre tentando falar com ele sobre o que eu sabia ser a única razão que
poderia tocar o seu coração: a fé em Deus.
Falei então sobre o
versículo onde está escrito que Deus não só perdoa nossos pecados, como deles
se esquece; que não há pecado, por mais escarlate que seja, que Deus não possa
tornar mais branco do que a neve. E outros versículos que mostram o Seu grande
amor por nós. Falei sobre Deus nos amar a tal ponto que nos deu o único filho
para que fôssemos perdoados, já que não somos, nem conseguimos, ser perfeitos.
Falei do sacrifício de Jesus na cruz e, no final, perguntei se ele queria
entregar a sua vida a Jesus, confessar os seus pecados e aceitá-lo como o seu
único Salvador. Pedi a ele que se concordasse apertasse a minha mão; não
apertou. Disse que se não concordasse, que deveria apertar a minha mão. Não
apertou. Então perguntei se estava me ouvindo; apertou a minha mão. Perguntei
se estava na dúvida; apertou a minha mão. Então perguntei se poderia orar por
ele, apertou a minha mão. Orei por ele e disse para ele pensar até o dia
seguinte.
No dia seguinte, quando li
outro versículo, disse a ele que eu ‘não iria enfiar pela goela abaixo algo que
ele não quisesse, só porque estava sem poder me responder’. Ele respondeu, do
nosso jeito, que eu poderia continuar a falar. No final perguntei se queria,
afinal, aceitar a jesus como o seu Salvador, e ele apertou fortemente a minha
mão. Orei com ele e me pareceu que até o seu semblante ficou mais calmo, mais
sereno. Aquele ar de tristeza, de angústia, deu lugar a uma paz que parecia vir
de dentro para fora. Depois de poucos dias começou a dar um pequeno sorriso, só
de um lado da boca, quando eu brincava com ele. Comecei então a ter mais
esperança e ia visitá-lo, mais animada.
Neste dia, quando fui
conversar com os médicos eles me disseram que, mesmo que ele sobrevivesse, já
havia perdido a visão, pois havia, além de tudo, tomado um veneno para plantas,
que o havia tornado cego. Disseram ainda que também não andaria e talvez sobrevivesse
com sérias limitações.
Sabendo que os seus pais e
irmãos queriam muito visitá-lo, pedi a ele que os recebesse. Ele não queria,
mas eu sabia ser importante para a sua mãe. Então, depois de uma certa insistência,
ele aceitou.
Um dia, ao chegar lá, o
encontrei chorando muito, convulsivamente. Chorava alto e o som do seu choro
saia pela traqueostomia, fazendo um som horrível, gutural; o que me fez chorar
também. Fui conversar com os médicos e perguntei o que havia acontecido e eles
me disseram que ele ficou assim depois que a sua mãe o havia visitado, na noite
anterior. Chorou durante toda a madrugada e durante toda a manhã. Conversei com
ele e tentei acalmá-lo, dizendo que não sabia o que a sua mãe havia falado, mas
fosse lá o que fosse, tentasse se lembrar de que uma mãe desesperada às vezes
fala coisas que não deveria falar nunca, mas que ela sempre o amou. Orei com
ele e ele se acalmou. Pedi então aos familiares para não o visitarem mais, até
que ele melhorasse de vez...
Uma tarde, quando estava
conversando com ele, um dos residentes me inquiriu, dizendo como eu podia dizer
que conversava com um ‘quase morto’. Eu expliquei como havia sido o nosso
processo e eles ficaram muito intrigados, além de curiosos. Falei para eles
ficarem calados e acompanharem toda a minha conversa. E assim foi. Até que eu
perguntei se ele havia dormido bem; ele não apertou a minha mão. Depois eu
perguntei se havia dormido mal e ele apertou a minha mão. Daí resolvi perguntar
o que havia acontecido. Pedi para que ele apertasse a minha mão quando chegasse
na primeira letra da palavra que seria a causa da sua insônia. Falei todo o
‘abecedário’, e nada! O rapaz que era residente, já entusiasmado, falou bem
alto que ele não havia entendido direito, que eu repetisse. Eu fiz sinal para
ele ficar quieto e expliquei novamente como seria a nova fase do processo por
nós descoberto. Foi quando eu disse ‘D’ e ele apertou a minha mão. Para
agilizar eu já perguntei se estava sentindo alguma dor; ele respondeu que sim.
Novo abecedário e na letra P, novo aperto de mão. Perguntei se era ‘dor no pé’
e ele respondeu que sim. Descobri os pés dele e pudemos observar enormes
hematomas que foram feitos à noite, na tentativa de pegar uma nova veia.
Como ficou claro que ele
percebeu que estava sendo observado durante a nossa conversa, pedi a ele que
dali para a frente respondesse às perguntas dos médicos. Ficou ‘calado’, mas eu
disse que eles queriam o seu melhor e assim ele estaria ajudando na sua própria
recuperação. E assim ele concordou.
Nesta época ele apresentou
uma infecção generalizada e eles entraram com antibióticos mais potentes.
Depois de alguns dias,
percebendo que os seus cabelos estavam muito sujos e oleosos, perguntei se ele
me deixava lavá-los e ele aquiesceu. Pedi uma bacia e uma jarra com água morna,
uma toalha de banho e uma auxiliar de enfermagem me auxiliou, já que ele não
conseguia se movimentar. Não quis dar banho no leito nele por achar que possivelmente
ficaria constrangido, sendo eu mulher e sua grande amiga.
Depois deste ‘banho’
resolvi dar uma volta pelas redondezas para esfriar a minha cabeça e voltar no
final da tarde para visitá-lo novamente, no próximo horário de visita. Fui ao
cinema, no Conjunto Nacional, próximo dali, e ‘assisti’ a um filme. Não me perguntem
qual foi o filme, pois o filme que passava na minha cabeça era tudo o que havia
acontecido nestes últimos 20 dias...
Só pensava em como Deus
havia atendido às minhas orações e em tudo que já havia acontecido. Mas
continuava a orar por ele, pedindo a Deus que se fosse para ter tantas sequelas,
uma vida em cima de uma cama, sem qualquer qualidade de vida, que o levasse
para junto de Si.
Na volta visitei-o
novamente e ele até deu um sorriso para mim. E saí dali mais tranquila, mesmo
sem saber qual seria o final desta história.
Chegando em minha casa,
conversei com os meus pais, e fui dormir, não sem antes orar mais uma vez por
ele. Confesso que naquela hora pensava na possibilidade de ele sobreviver, sem
maiores sequelas, e usufruir uma vida, produtiva e feliz. E adormeci...
Fui acordada lá pelas
5:30h do dia seguinte, com o pai dele me dizendo que ele sabia que eu 'já
esperava por esta notícia’. Disse que ele morreu à noite, dormindo, sem
sofrimento algum. Eu agradeci a ele e disse que iria logo para lá. Confesso que
à estas alturas eu não esperava este final, assim, tão rápido...
Ele se foi, mas ficaram as
memórias, as boas e más lembranças, e, principalmente, ficou a certeza de que
ele está junto a Deus, gozando da Sua presença e do Seu grande amor. Quando lá
eu chegar, só quero dar um abraço bem apertado nele, que falará por si só...
Ficou a enorme gratidão a
Deus por haver permitido que eu pudesse ter tempo para falar de Jesus e,
principalmente, de ele O aceitar como o seu Salvador.
E ficou o grande
aprendizado que auxiliou durante toda a minha vida profissional, como enfermeira,
bem como na minha vida pessoal, com os meus familiares...
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