segunda-feira, 15 de maio de 2017

O Peregrino: O livro e a ópera


“O Peregrino”


(Dedicado ao leitor Adonias dos Reis Santiago, de Brasília)

A verdadeira felicidade só é encontrada quando definimos o propósito da nossa existência” (W.Cowper)

Antes, durante e depois da Segunda Guerra Mundial os evangélicos brasileiros foram incentivados a ler O Peregrino, de John Bunyan (1628-1688), a maior obra alegórica da literatu-ra inglesa.
Presenteado por Frederica Torres (1897-1981), tia e
mãe adotiva, li “O Peregrino” em 1939, quando tinha 10 anos de idade. Esse livro me orientou em alguns passos importantes.
                  Lembro que era fácil encontrar nos lares evangélicos um quadro intitulado “Os dois caminhos”, talvez inspirado pela alegoria de Bunyan, que simbolicamente dizia: “O cristão não pertence a este mundo; está marchando para o Céu”. Bunyan tinha uma nova “visão de mundo” (ver: Bunyan, John. O Peregri-  no. São Paulo: Imprensa Metodista, 1972; Editora Mundo Cris- tão, 1981).
                   Os meninos de nossos dias podem assistir o filme “Pilgrim’s Progress – Journey to Heaven”, produzido em 2008 por Danny Carrales, com Terry Jernigan. É uma adaptação para as crianças do livro de Bunyan.
Bunyan, ao escrever “The Pilgrim’s Progress” (entre
1667 e 1672), igualou-se a John Milton (1608-1674), na opinião do crítico literário Otto Maria Carpeaux. Este erudito intelectual comparou o começo da alegoria de Bunyan (“As I walked through the wilderness of this world”) com o da obra de Dante (“Nel mezzo del camin di nostra vita”), fazendo um paralelismo moral entre a Itália (século XIII) e a Inglaterra (século XVII).
                   Lembrou o dramaturgo irlandês George Bernard Shaw que o inglês Bunyan foi afastado do teatro pelo Puritanismo.
Segundo o poeta Samuel Coleridge (1772-1834) a
obra foi escrita “no mais vulgar estilo; se você quiser melhorá-lo, deverá destruir a realidade da visão”. O realismo de muitos personagens pode ser reconhecido na experiência diária, decor-ridos 350 anos da elaboração da alegoria.
                   O estilo literário, no início do século XVII,  ainda era douto (William Shakespeare, 1564-1616) e realizou a versão do rei Tiago para a Bíblia inglesa; no fim, a prosa simples de Bu-nyan tornou-se a característica da língua inglesa moderna.
                   Devemos ponderar que os Dissidentes (batistas e ou-tros evangélicos) sofreram sob o código de Edward Clarendon (1609-1674): foram excluídos da vida política, da administração municipal e das universidades. Apesar disso, foi uma época mui-to importante da literatura inglesa.
                   Bunyan escreveu “O Peregrino” durante o período que passou na prisão(1660-1672),no reinado de Carlos II (1660-1685) era pastor da igreja batista em Bedford e favorecia o canto con- gregacional. No “Baptist Hymnal”(1975) figura seu hino “He Who Would Valiant be”, escrito em 1684, um dos mais antigos da hinodia batista.
                   Apelando à classe média inferior inglesa, Bunyan transmitiu para a posteridade muito do que era nobre no Puritanismo britânico.
                   Em seu livro, Bunyan descreve a viagem de “Christ-ian” (Cristão), da Cidade da Destruição para a Cidade de Deus, passando pelo Desfiladeiro do Desespero, a Aldeia da Moral, a Colina da Dificuldade, o Vale da Humilhação, a Feira das Vai-dades e o Rio da Morte, usando citações e alusões bíblicas.
                   Em 1987, em São Paulo, tomamos conhecimento da existência de uma gravação, em disco LP, da “moralidade” de Vaughan Williams, baseada na alegoria de Bunyan, feita sob a regência de Adrian Boult.
                   Agora, graças ao mecenato praticado pelo nosso amigo Rosber Neves Almeida, temos a gravação, em disco CD de 20-bit, realizada em 1997, com o Coro e a Orquestra da Royal Opera House, regidos por Richard Hickox.
                   O compositor britânico Ralph Vaughan Williams (1872-1958) tinha compilado canções folclóricas e organizado edições de música religiosa inglesa, além de compor sinfonias e óperas. Impressionado pela busca de Bunyan, VW refletiu sobre a fé puritana e a ética evangélica em seus dias; podemos comparar a arenga evangélica e a ideologia burguesa do século 21.
                   VW teve a ideia de compor uma ópera baseada em “O Peregrino”; ela surgiu em 1906 quando compôs uma melodia para a canção “Who would  true valour see, let him come hither”, que Bunyan pôs na boca do personagem “Cristão”.
                   Outros episódios foram compostos entre 1925 e 1936, quando VW parece ter decidido que alguns temas seriam aproveitados em sua Quinta Sinfonia (1943); vários temas da sinfonia aparecerão na “moralidade” (1951).
                   Depois de 45 anos, VW viu concretizar-se o seu sonho: em 26 de abril de 1951, no Covent Garden, em Londres, ocorreu a estréia da obra, dividida em prólogo, quatro atos e epílogo.
                   O compositor insistiu que a obra destinava-se ao pal-co, e não ao templo.
                   Apesar de suas deficiências dramáticas, a obra ofere-ce esplendor musical: no prólogo, quando o Pererino entra e grita: “Que farei?”; nas cenas da “House Beautiful” (Ato I) e da “Vanity Fair” (Ato III); no monólogo do Peregrino na prisão; no episódio das “Delectable Mountains” (Ato IV); nos “aleluias” do Peregrino. Os “quatro vizinhos” de Bunyan contrastam com os “três amigos” de Jó.
                   VW compilou o libreto; à alegoria de Bunyan, fez vá-rias adições, extraídas dos Salmos e outras fontes bíblicas; usou o nome “Peregrino”, ao invés de “Cristão”, porque conce-bia o personagem principal como alguém muito interessado na vida espiritual ... O propósito de sua obra era alcançar todos os que se preocupam com a vida espiritual. Alguns versos foram escritos por Ursula Vaughan Williams. Ela admitiu que seu mari-do tinha sido ateu durante o curso na universidade de Cambrid-ge, e que mais tarde tornara-se agnóstico.
                   Embora trate de assunto religioso, a obra de VW não pertence ao gênero sacro (ver: Herbert Murrill, “Vaughan Willi-ams’s Pilgrim”, Music & Letters, XXXII, 1951, p. 324).     
                   Filho de pastor anglicano, VW conhecia bem as tradições musicais; compôs melodias para hinos do “The English Hymnal” (1906) e “Songs of Praise”.
                   “O Peregrino” termina quando o personagem “Bunyan” chega ao centro do palco e apresenta um livro aos espectadores, dizendo: “Este livro fará de ti um viajante; ele te conduzirá à Terra Santa, se quiseres entender as suas instruções; então, vem, e põe o meu livro junto à tua cabeça e ao teu coração”  
                   Recomendamos esta obra de Vaughan Williams alertando para a circunstância de que, embora seja religiosa, não é sacra.                                      

  - x -

Brasília, DF, 08 de agosto de 2016.

Rolando de Nassau.

Assista a trecho da ópera:

Nenhum comentário: