“O
Peregrino”
(Dedicado
ao leitor Adonias dos Reis Santiago, de Brasília)
“A
verdadeira felicidade só é encontrada quando definimos o propósito da nossa
existência” (W.Cowper)
Antes, durante e depois da Segunda
Guerra Mundial os
evangélicos brasileiros foram incentivados a ler O Peregrino, de John Bunyan
(1628-1688), a maior obra alegórica da literatu-ra inglesa.
Presenteado por Frederica Torres
(1897-1981), tia e
mãe
adotiva, li “O Peregrino” em 1939, quando tinha 10 anos de idade. Esse livro me
orientou em alguns passos importantes.
Lembro que era fácil
encontrar nos lares evangélicos um quadro intitulado “Os dois caminhos”, talvez
inspirado pela alegoria de Bunyan, que simbolicamente dizia: “O cristão não
pertence a este mundo; está marchando para o Céu”. Bunyan tinha uma nova “visão
de mundo” (ver: Bunyan, John. O Peregri-
no. São Paulo: Imprensa Metodista, 1972; Editora Mundo Cris- tão, 1981).
Os meninos de nossos dias
podem assistir o filme “Pilgrim’s Progress – Journey to Heaven”, produzido em
2008 por Danny Carrales, com Terry Jernigan. É uma adaptação para as crianças
do livro de Bunyan.
Bunyan, ao escrever “The Pilgrim’s
Progress” (entre
1667
e 1672), igualou-se a John Milton (1608-1674), na opinião do crítico literário
Otto Maria Carpeaux. Este erudito intelectual comparou o começo da alegoria de
Bunyan (“As I walked through the wilderness of this world”) com o da obra de
Dante (“Nel mezzo del camin di nostra vita”), fazendo um paralelismo moral entre
a Itália (século XIII) e a Inglaterra (século XVII).
Lembrou o dramaturgo irlandês
George Bernard Shaw que o inglês Bunyan foi afastado do teatro pelo
Puritanismo.
Segundo o poeta Samuel Coleridge
(1772-1834) a
obra
foi escrita “no mais vulgar estilo; se você quiser melhorá-lo, deverá destruir
a realidade da visão”. O realismo de muitos personagens pode ser reconhecido na
experiência diária, decor-ridos 350 anos da elaboração da alegoria.
O estilo literário, no início
do século XVII, ainda era douto (William
Shakespeare, 1564-1616) e realizou a versão do rei Tiago para a Bíblia inglesa;
no fim, a prosa simples de Bu-nyan tornou-se a característica da língua inglesa
moderna.
Devemos ponderar que os
Dissidentes (batistas e ou-tros evangélicos) sofreram sob o código de Edward
Clarendon (1609-1674): foram excluídos da vida política, da administração
municipal e das universidades. Apesar disso, foi uma época mui-to importante da
literatura inglesa.
Bunyan escreveu “O Peregrino”
durante o período que passou na prisão(1660-1672),no reinado de Carlos II
(1660-1685) era pastor da igreja batista em Bedford e favorecia o canto con- gregacional.
No “Baptist Hymnal”(1975) figura seu hino “He Who Would Valiant be”, escrito em
1684, um dos mais antigos da hinodia batista.
Apelando à classe média
inferior inglesa, Bunyan transmitiu para a posteridade muito do que era nobre
no Puritanismo britânico.
Em seu livro, Bunyan descreve
a viagem de “Christ-ian” (Cristão), da Cidade da Destruição para a Cidade de
Deus, passando pelo Desfiladeiro do Desespero, a Aldeia da Moral, a Colina da
Dificuldade, o Vale da Humilhação, a Feira das Vai-dades e o Rio da Morte,
usando citações e alusões bíblicas.
Em 1987, em São Paulo,
tomamos conhecimento da existência de uma gravação, em disco LP, da
“moralidade” de Vaughan Williams, baseada na alegoria de Bunyan, feita sob a
regência de Adrian Boult.
Agora, graças ao mecenato
praticado pelo nosso amigo Rosber Neves Almeida, temos a gravação, em disco CD
de 20-bit, realizada em 1997, com o Coro e a Orquestra da Royal Opera House,
regidos por Richard Hickox.
O compositor britânico Ralph
Vaughan Williams (1872-1958) tinha compilado canções folclóricas e organizado edições
de música religiosa inglesa, além de compor sinfonias e óperas. Impressionado
pela busca de Bunyan, VW refletiu sobre a fé puritana e a ética evangélica em
seus dias; podemos comparar a arenga evangélica e a ideologia burguesa do
século 21.
VW teve a ideia de compor uma
ópera baseada em “O Peregrino”; ela surgiu em 1906 quando compôs uma melodia
para a canção “Who would true valour
see, let him come hither”, que Bunyan pôs na boca do personagem “Cristão”.
Outros episódios foram
compostos entre 1925 e 1936, quando VW parece ter decidido que alguns temas
seriam aproveitados em sua Quinta Sinfonia (1943); vários temas da sinfonia
aparecerão na “moralidade” (1951).
Depois de 45 anos, VW viu
concretizar-se o seu sonho: em 26 de abril de 1951, no Covent Garden, em
Londres, ocorreu a estréia da obra, dividida em prólogo, quatro atos e epílogo.
O compositor insistiu que a
obra destinava-se ao pal-co, e não ao templo.
Apesar de suas deficiências
dramáticas, a obra ofere-ce esplendor musical: no prólogo, quando o Pererino
entra e grita: “Que farei?”; nas cenas da “House Beautiful” (Ato I) e da
“Vanity Fair” (Ato III); no monólogo do Peregrino na prisão; no episódio das
“Delectable Mountains” (Ato IV); nos “aleluias” do Peregrino. Os “quatro
vizinhos” de Bunyan contrastam com os “três amigos” de Jó.
VW compilou o libreto; à
alegoria de Bunyan, fez vá-rias adições, extraídas dos Salmos e outras fontes
bíblicas; usou o nome “Peregrino”, ao invés de “Cristão”, porque conce-bia o
personagem principal como alguém muito interessado na vida espiritual ... O
propósito de sua obra era alcançar todos os que se preocupam com a vida
espiritual. Alguns versos foram escritos por Ursula Vaughan Williams. Ela
admitiu que seu mari-do tinha sido ateu durante o curso na universidade de
Cambrid-ge, e que mais tarde tornara-se agnóstico.
Embora trate de assunto
religioso, a obra de VW não pertence ao gênero sacro (ver: Herbert Murrill,
“Vaughan Willi-ams’s Pilgrim”, Music & Letters, XXXII, 1951, p. 324).
Filho de pastor anglicano, VW
conhecia bem as tradições musicais; compôs melodias para hinos do “The
English Hymnal” (1906) e “Songs of Praise”.
“O Peregrino” termina quando
o personagem “Bunyan” chega ao centro do palco e apresenta um livro aos espectadores,
dizendo: “Este livro fará de ti um viajante; ele te conduzirá à Terra Santa,
se quiseres entender as suas instruções; então, vem, e põe o meu livro junto à
tua cabeça e ao teu coração”
Recomendamos esta obra de
Vaughan Williams alertando para a circunstância de que, embora seja religiosa,
não é sacra.
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Brasília,
DF, 08 de agosto de 2016.
Rolando
de Nassau.
Assista a trecho da ópera:
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