segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Ele queimou a santa, ou: Aprenda a valorizar o homem

 


Ele queimou a santa, ou: Aprenda a valorizar o homem

Numa fria noite de inverno, um asceta errante pediu abrigo em um mosteiro jesuíta, instalado no sopé da cordilheira do Himalaia. O pobre homem tremia de frio na neve, por isso o prior do mosteiro, embora relutasse em deixá-lo entrar, disse:

– Muito bem, pode ficar, mas só por esta noite. E deve dormir no pátio, pois não há lugar vago no interior do mosteiro; nós somos um mosteiro de clausura, e pessoas estranhas não podem adentrar nossas portas. Tome esta pele de iaque, cubra-se com ela. Pela manhã terá de ir embora.

Na calada da noite, o sacerdote ouviu um estranho barulho crepitante. Correu ao pátio do mosteiro e deu com algo inacreditável: o estranho se aquecendo em uma fogueira que acendera e... estava faltando a estátua de um santo de madeira!

O sacerdote perguntou, aflito:

– Onde está a estátua?

O andarilho apontou para a fogueira e disse:

– Pensei que este frio fosse me matar... Não havia lenha no pátio; toda a construção é feita de pedra e alvenaria. Eu estava tremendo demais. Temi a morte.

O sacerdote gritou:

– Ficou louco?! Sabe o que fez? Era uma estátua de Santa Edwiges! Sacrilégio! Você queimou uma santa!

O fogo se extinguia aos poucos. O maltrapilho olhou para as chamas e começou a remexer nelas com o cajado.

– O que está fazendo agora?! – vociferou o sacerdote.

– Meu senhor, estou procurando os ossos da santa que você diz que matei.

– Maldito! Essa imagem era sagrada, e você cometeu uma grande ofensa contra a santa e contra todos neste mosteiro!

– Me perdoe; achei que era apenas um boneco de madeira, e há aqui tantas estátuas... Acreditei mesmo que este lugar fosse uma fábrica delas, já que há tantos homens dentro dessas portas, e não pude imaginar outra ocupação para tantos homens ficarem reunidos e selados. Rogo seu perdão. No entanto, sua religião me surpreende: Valoriza uma estátua morta mais que a um homem vivo.


Recriada a partir de uma fábula oriental, encontrada no livro Como Atirar Vacas no Precipício, de Alzira Castilho


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