Ele queimou a santa,
ou: Aprenda a valorizar o homem
Numa fria noite de
inverno, um asceta errante pediu abrigo em um mosteiro jesuíta, instalado no sopé
da cordilheira do Himalaia. O pobre homem tremia de frio na neve, por isso o prior
do mosteiro, embora relutasse em deixá-lo entrar, disse:
– Muito bem, pode ficar,
mas só por esta noite. E deve dormir no pátio, pois não há lugar vago no
interior do mosteiro; nós somos um mosteiro de clausura, e pessoas estranhas
não podem adentrar nossas portas. Tome esta pele de iaque, cubra-se com ela. Pela
manhã terá de ir embora.
Na calada da noite, o
sacerdote ouviu um estranho barulho crepitante. Correu ao pátio do mosteiro e
deu com algo inacreditável: o estranho se aquecendo em uma fogueira que
acendera e... estava faltando a estátua de um santo de madeira!
O sacerdote perguntou,
aflito:
– Onde está a estátua?
O andarilho apontou para a
fogueira e disse:
– Pensei que este frio
fosse me matar... Não havia lenha no pátio; toda a construção é feita de pedra
e alvenaria. Eu estava tremendo demais. Temi a morte.
O sacerdote gritou:
– Ficou louco?! Sabe o que
fez? Era uma estátua de Santa Edwiges! Sacrilégio! Você queimou uma santa!
O fogo se extinguia aos
poucos. O maltrapilho olhou para as chamas e começou a remexer nelas com o
cajado.
– O que está fazendo
agora?! – vociferou o sacerdote.
– Meu senhor, estou
procurando os ossos da santa que você diz que matei.
– Maldito! Essa imagem era
sagrada, e você cometeu uma grande ofensa contra a santa e contra todos neste
mosteiro!
– Me perdoe; achei que era
apenas um boneco de madeira, e há aqui tantas estátuas... Acreditei mesmo que este
lugar fosse uma fábrica delas, já que há tantos homens dentro dessas portas, e
não pude imaginar outra ocupação para tantos homens ficarem reunidos e selados.
Rogo seu perdão. No entanto, sua religião me surpreende: Valoriza uma estátua
morta mais que a um homem vivo.
Recriada a partir de
uma fábula oriental, encontrada no livro Como Atirar Vacas no Precipício, de
Alzira Castilho

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