terça-feira, 25 de setembro de 2012
Assim Cantaria Barrabás, poema de Myrtes Mathias
Assim Cantaria Barrabás
Desde criança venho perseguido
por um destino sem contemplação:
para dormir eu encontrei a rua,
nada cobriu minha pele nua,
para comer fui mendigar o pão.
Assim cresci em minha muda espera,
na obsessão de um dia me vingar
do sentimento que meus pais negaram,
do abandono a que me condenaram
não tendo tempo nem para me amar.
Tornei-me salteador...
Parava, às vezes, mudo, pensativo,
no ermo perdido, fraco, incapaz;
olhando o céu e desejando um fim:
- Por que Jeová, Tu me fizeste assim,
porque nasci imundo Barrabás?
Até que um dia (pois há sempre um dia
no destino bom ou mau de cada um)
ouvi de um Homem vindo da Judéia,
que milagres houvera lá na Galiléia,
que mortos reviveram em Cafarnaum.
E a pergunta que havia em meu peito
fez maior. E, sem poder conter
o desejo de ver o tal Messias,
que mensagem nova nos trazia,
saí, buscando-O, e me prender.
Dias depois, na solidão da ceia,
um soldado irônico me chama:
- Vem, Barrabás, que amanhã é Páscoa,
vem sentir como o povo te ama, te ama...
Sigo tremendo...
De Pilatos a voz estranha, horrível,
abafa a algazarra enlouquecida:
- A quem agora desejais soltar,
a vosso Rei, que vos quer libertar,
ou Barrabás, que tem roubado vidas?
E a multidão satânica delira:
- Ai falso Rei, Tu não escaparás!
Foi sacrilégio o que fizeste aqui:
dizer-te Rei do trono de Davi.
Na cruz o Cristo! Solta Barrabás!
E só então o Homem condenado
volta os olhos para me encarar.
Por que me olha assim com tal doçura?
Dessem-me a cruz, a forca e a tortura,
mas nunca a força e o amor dAquele olhar.
Levam-no ao Gólgata. Tomam os madeiros
e no maior passam a prender Jesus.
Amedrontado e cheio de aflição,
atravesso a imensa multidão
e oculto-me aos pés daquela cruz.
E vejo o Mestre receber vinagre,
em meio a revoltante zombaria;
Vejo sua carne pálida rasgada,
Sua cabeça de espinhos coroada e
“os soluços imensos de Maria”.
E eu, salteador que o povo inda temia
(que pelos meus altos merecia a cruz),
suplicando, dirijo-me a Maria:
-Responda-me: quem é este Jesus?
E Madalena, quase num soluço:
- É o Cristo. É Deus, portador da paz.
Por nosso amor abandonou o céu,
era um cordeiro, transformou-se em réu;
morre em lugar do imundo Barrabás.
E vi, então, a própria natureza
mergulhar em trevas, enquanto Jesus,
clamando: “Está consumado”,
morria, para que eu fosse libertado,
sobre uma cruz – minha própria cruz...
Assim cantaria Barrabás o seu poema,
Se a História o quisesse contar.
E tu, que tens ouvido há tanto tempo,
porém não tens crido,
que o próprio Deus morreu em seu lugar?
Chamas maus os que mataram o Cristo;
mas podes tu viver em paz?
Mataram a Cristo os teus desatinos.
És também um louco assassino:
- Diante de Deus tu és Barrabás.
Via blog http://porcausadaflor.wordpress.com (acesse e leia muitos outros poemas).
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