segunda-feira, 27 de outubro de 2008

A VIDA E OS TEMPOS DE LUTERO

A propósito do Dia da Reforma, que é comemorado em 31 de Outubro, publicamos este excelente texto sobre aquele que Deus usou para dar início efetivamente à Reforma: Martinho Lutero.
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REVOLUCIONÁRIO POR ACIDENTE

Em sua busca por paz espiritual, Lutero não tinha idéia do tumulto que traria para seu mundo.

Por James M. Kittelson

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Um conselheiro de turistas do século 16 afirmava que as pessoas que voltassem de suas viagens sem ver Martinho Lutero e o papa “não tinham visto nada”. Mais tarde, este homem tornou-se bispo da Igreja Católica Romana e um dos oponentes de Lutero.
Outra pessoa leu os trabalhos de Lutero e declarou: “A igreja nunca viu maior herege!” Mas depois de alguma reflexão, declarou: “Somente ele está certo!” Este homem tornou-se um reformador e Lutero regularmente se confessava com ele.
Como pôde um frei e professor evocar tais reações conflitantes?
A resposta é a própria simplicidade. Este homem, que continua a falar depois de meio milênio, ou ensinou a base da fé cristã corretamente ou ainda está desviando almas. Como ele mesmo disse, “Outros antes de mim contestaram a prática. Mas, contestar a doutrina, isso sim é pegar um ganso pelo pescoço!”

Infância comum
Ao contrário de algumas especulações românticas, a infância de Lutero não teve quase nada a ver com o fato de ele tornar-se um teólogo revolucionário. Ele nasceu quase em trânsito em 10 de novembro de 1483, em Eisleben (cerca de 220 quilômetros ao sudoeste da moderna Berlim), onde seus pais podem ter trabalhado como empregados domésticos.
Dentro de um ano, a família mudou-se para Mansfeld, onde seu pai, Hans Luder (como era pronunciado na região), encontrou trabalho nas minas de cobre locais. Hans subiu rapidamente, talvez com a ajuda de parentes, a proprietário, ou sócio de várias minas e fundições. Até mesmo tornou-se um membro do conselho da cidade. A pintura de Cranach, do Luder mais velho, mostra-o num casaco finamente tecido com uma gola de pele.
Lutero lembra de sua infância em parte por (nos termos de hoje) seu abuso físico. Ele apanhava de seus pais de modos aterradores. Ele distanciou-se tanto de seu pai que, em uma ocasião, que seu pai lhe pediu perdão. Mas como Hans veio até seu filho, Lutero também se lembra que “ele me queria bem”. Talvez a dura disciplina refletisse apenas uma família que desejava ser bem-sucedida, e o foi. Não havia, com certeza, nada de incomum nisso.
Também não há evidência de nada incomum ou rebelde acerca da piedade da família. Margaretha, a mãe de Lutero, tinha as superstições comuns da época. Por exemplo, ela culpava uma vizinha pela morte de um de seus filhos, pois a considerava uma bruxa. Hans se unia a ela, buscando uma indulgência especial para a igreja local. Quando jovem, Lutero absorveu uma religião na qual uma pessoa tinha que lutar pela futura salvação da mesma forma que tinha que trabalhar pela sobrevivência material.

Uma decisão perspicaz
Neste ponto, dois assuntos comuns mudaram o rumo de Lutero.
Primeiro, Hans (que poderia ter ficado satisfeito quando o menino aprendeu a ler, escrever e fazer cálculos e então entrar no negócio da família) mandou o menino para estudar latim, e finalmente para a universidade de Erfurt. Ao tomar esta decisão perspicaz, Hans foi ambicioso não apenas por seu filho, mas pela família inteira. Se fosse bem-sucedido, o jovem Lutero se tornaria advogado, que, fosse numa igreja ou na corte, traria um bom sustento para os pais e irmãos.
Segundo, o jovem deixou o lar antes de fazer 14 anos e provou ser extraordinariamente inteligente. Concluiu o bacharelado e o mestrado no menor tempo permitido pela lei. Ele provou ser tão adepto a disputas (debates públicos era a maneira principal de ensinar e aprender) que ganhou o apelido de “O Filósofo”. Hans ficou tão feliz que deu ao seu filho um presente caro: o texto principal para estudos legais da época, o Corpus Juris Civilis.

Da lei ao legalismo
Infelizmente, para os planos de Hans, o estudante novato de direito começou a ter dúvidas sobre o estado da sua alma e também sobre a carreira que seu pai tinha assegurado para ele. Em 1505, quando ainda não tinha 22 anos, ele tirou uma licença oficial, mas inexplicada, da universidade. Ele visitou sua família para buscar, aparentemente, conselho sobre seu futuro. No seu retorno para Erfurt, quando lutava contra uma severa tempestade, um raio atingiu o chão perto dele.
“Me ajude, Santa Ana!”, Lutero gritou. “Eu me tornarei monge.”
Depois deste voto a Santa Ana, a conhecida padroeira dos mineiros, Lutero passou várias semanas discutindo sua decisão com seus amigos. Então, em Julho de 1505, como era a exigência para entrar na vida monástica, ele doou todos os seus bens – seu alaúde, com o qual bastante tinha habilidade; seus muitos livros, incluindo o Corpus Juris Civilis; suas roupas e utensílios para comer – e entrou para o Black Cloister of the Observant Augustinians (Mosteiro Negro dos Vigilantes Agostinianos). Como de costume, ele passou mais de um mês examinando sua consciência e sendo interrogado pelas autoridades competentes antes de proceder ao noviciato (um ano adicional de escrutínio antes de se tornar um frei).
Com toda evidência, Lutero foi extraordinariamente bem-sucedido (“impecável” foi a descrição) como um agostiniano, assim como quando foi estudante. Ele não começou simplesmente a jejuar, orar e fazer práticas devotas (como ficar sem dormir, suportar o frio cortante sem cobertor e se flagelar), ele os fazia dedicadamente. Como comentou mais tarde: “Se alguém pudesse ter herdado o céu pela vida de um monge, teria sido eu.”
Ele tornou-se um padre em menos de dois anos depois de entrar para o Mosteiro Negro. Foi mandado a Roma como companheiro de viagem de um irmão mais velho a negócios, que seriam cruciais para os agostinianos na Alemanha. Além disso, seus superiores ordenaram que estudasse teologia para que pudesse se tornar um dos professores da ordem.

Digno de estudo
Naquele momento, o próprio Lutero começou a ser alguém digno de estudo. Os medos e ansiedades que o dirigiram para o Mosteiro Negro o deixaram durante seu primeiro ano lá, mas então se intensificaram. Embora buscasse amar a Deus com todo seu coração, alma, mente e força, ele não achava consolo. Ficava cada vez mais com medo da ira de Deus: “Quando é tocada por esta inundação que vem do eterno, a alma só se alimenta e bebe da eterna punição e nada mais.”
A ordem para estudar a teologia acadêmica significava que ele podia investigar suas lutas intelectualmente. Lutero, mais tarde, comentou que foi “aonde as tentações me levaram”, querendo dizer que ele ousou investigar as questões que mais o atormentavam. Mas isso acontecia devagar: “Eu não aprendi minha teologia toda de uma vez... mas como Agostinho, através de muito estudo, ensino e escrita.”
No processo, os ataques de dúvida de Lutero acerca de sua salvação tornaram-se uma realidade objetiva que ele estudou – quase da maneira que um matemático se debruça sobre um problema difícil.

O dilema de Lutero
Como um iniciante no estudo da teologia, Lutero foi ensinado sobre a ortodoxia predominante, e parte de suas palestras iniciais como professor mostra que ele cria nisso.
Seus professores, seguindo a Bíblia, ensinaram que Deus exigia absoluta justiça, como na passagem, “sejam perfeitos, como é perfeito vosso Pai que está no céu”. As pessoas precisavam amar a Deus absolutamente e seus próximos como a elas mesmas. Elas deviam ter a fé inabalável de Abraão, que estava disposto a sacrificar o próprio filho.
Além do mais, quando não eram perfeitas, as pessoas deviam se arrepender de um modo totalmente contrito, e não pelo propósito egoísta de salvar a si mesmas. E onde o indivíduo não pudesse ser absolutamente justo, a Igreja entraria com a graça dos sacramentos.
Lutero declarou mais tarde: “Eu estava tão bêbado, aliás, tão submerso nas doutrinas do papa, que eu teria alegremente matado (ou cooperado com alguém que matasse) quem quer que tirasse uma sílaba da obediência devida a ele.”
Mas Lutero foi atacado por um problema, e finalmente este o levou para longe do que havia sido ensinado. Os seres humanos são incapazes de ter os atos e estado da mente sem o egoísmo que as Escrituras exigem. O mais difícil para Lutero era a obrigação perfeita das Escrituras de ser contrito e se arrepender.
No fim da Idade Média, o arrependimento ocorria mais comumente no curso dos sacramentos da confissão e da penitência. De acordo com o que o pecador confessasse, era perdoado e então cumpria as ações de penitência que lhe fossem ordenadas e o processo estava completo. Mas Lutero sabia que no meio deste ato crucial era justamente quando ele era mais egoísta. Estava confessando seus pecados e cumprindo sua penitência apenas pelo instinto humano de salvar a sua pele. E, também, pela tendência humana de pecar, ele não conseguia se confessar o suficiente.
Este assunto crítico permaneceu vívido na mente de Lutero. Ele comentou depois: “Se alguém confessasse seus pecados na hora certa, ele teria que carregar um confessor no seu bolso!” Como seus professores sabiam, ele de fato podia levar ao desespero (ou como acreditavam então, o pecado contra o Espírito Santo). No caso de Lutero, ele era de vez em quando levado ao desespero mesmo.

Quem pode ser justo?
Durante seus anos iniciais, quando Lutero lesse o famoso “Texto da Reforma” — Romanos 1.7 — seus olhos seriam levados não para a palavra fé, mas para a palavra justo. Quem, afinal, podia “viver pela fé”? Somente aqueles que já eram justos. O texto era claro sobre o assunto: “O justo viverá pela fé.”
Lutero observou: “Eu odiava aquela frase, ‘a justiça de Deus’, pela qual eu tinha sido ensinado de acordo com o uso e costume de todos os professores... [que] Deus é justo e pune o pecador injusto.” O jovem Lutero não podia viver pela fé porque não era justo – e ele sabia disso. Durante sua confusão, Lutero muitas vezes abordou Johann von Staupitz, seu superior, sobre as suas dúvidas, pecados e ódio de um Deus justo. Ele fazia isso tão freqüentemente que uma vez Staupitz o mandou sair e cometer um pecado de verdade: “Você quer ficar sem pecado, mas você não tem pecados de verdade... o assassinato de um dos pais, vícios públicos, blasfêmia, adultério, coisas assim... Você não deve inflar os seus pecados mancos, artificiais e fora de proporção!”
Mas Lutero não se conformou: “Mesmo que minha consciência nunca me dê segurança, ainda assim sempre duvidei e disse, ‘Você não fez aquilo corretamente. Você não confessou tal coisa’.”

Contradizendo tudo
O momento, ou melhor, os momentos críticos na vida de Lutero resultaram de uma decisão de seus superiores. Eles, particularmente Staupitz, ordenaram que ele fizesse seu doutorado e se tornasse um professor bíblico na Universidade de Wittenberg. Dependendo do ponto de vista, esta foi a mais brilhante ou a mais estúpida decisão da história do cristianismo latino.
Lutero resistiu ao chamado, dizendo, “Será a minha morte!”, mas finalmente aceitou. Ele logo adquiriu sua própria identidade madura como professor ou doctor ecclesiae (ou professor da igreja), na qual freqüentemente buscava refúgio, até mesmo ao ponto de assinar seu nome normalmente, D. Martinus Lutherus.
Mais importante que isso, a revolução em seu pensamento teológico ocorreu na sala de palestra e estudo dos professores, de 1513 a 1519. Ele começou reinterpretando a justiça de Deus e então estendeu sua interpretação para questões centrais da teologia cristã.
No fim de 1513, início de 1514, quando chegou ao Salmo 72, explicou aos seus alunos: “Isto é o que é chamado julgamento de Deus: como a justiça ou força ou sabedoria de Deus, é com isto que somos sábios, justos e humildes ou pelo qual somos julgados.”
Esta é uma frase notável: a última frase é sobre o que ele foi ensinado; era a ortodoxia daquele tempo: Deus julga por sua justiça. Mas a primeira frase – Deus nos dá justiça – é a que ele ensinaria cada vez mais. De fato, um pouco mais tarde, durantes as palestras, rejeitou totalmente a doutrina comum e afirmou o contrário, ao dizer que todos os atributos de Deus, – “verdade, sabedoria, salvação, justiça” – eram “as coisas com as quais ele nos faz fortes, salvos, justos e sábios”.
Junto com estas mudanças vieram outras. A Igreja não era mais a instituição que se gabava de sucessão apostólica; pelo contrário, era a comunidade daqueles que tinham recebido a fé. A salvação não vinha pelos sacramentos por si só, mas pelo seu papel em nutrir a fé. A idéia de que os seres humanos tinham uma faísca de bondade (suficiente para buscar a Deus), não era uma fundação em teologia, mas ensinada pelos tolos, que não conheciam teologia. A humildade não era mais a virtude que ganhava graça, mas uma resposta necessária ao dom da graça. A fé não mais consistia em obedecer aos ensinos da Igreja, mas em confiar nas promessas de Deus e nos méritos de Cristo.
Em resumo, Lutero trabalhou numa revolução que contradisse tudo o que lhe havia ensinado. Como certos revolucionários em seu próprio tempo, estava tudo ali, pronto para explodir, e nem mesmo o líder principal tinha consciência de seu potencial.

Reação em cadeia
De fato, o que aconteceu foi mais uma longa e poderosa reação em cadeia do que uma explosão repentina. Começou na Noite de Todos os Santos, em 1517, quando Lutero fez uma objeção formal ao modo como o pequeno e atarracado Johann Tetzel estava pregando uma indulgência plenária.
As indulgências eram documentos preparados pela Igreja e comprados por indivíduos para si mesmos ou em favor dos mortos. Conseqüentemente, o comprador vivo ou morto seria liberado do purgatório por determinado tempo. No segundo exemplo, uma indulgência plenária, ou total, libertaria completamente a pessoa e raramente era oferecida. De qualquer modo, o dinheiro da venda de indulgências era usado para sustentar os projetos da Igreja, como por exemplo, no caso das vendas de Tetzel, a reconstrução da basílica de S.Pedro, em Roma.
Tetzel orquestrou cuidadosamente seus comparecimentos para excitar o interesse do público. Ele preparava seus sermões para agradar e persuadir, muitas vezes terminando com a famosa frase: “Quando uma moeda no cofre tilintar, uma alma do purgatório para o céu vai voar!”
Lutero simplesmente queria questionar o tráfico de indulgências da Igreja. Ele desafiou todos os que ali estavam para debater a prática do modo acadêmico adequado. Mas os eventos tomaram a questão das suas mãos.
Suas 95 Teses foram traduzidas para a língua popular e espalhadas pela Alemanha dentro de duas semanas. Lutero foi convidado para debater os aspectos teológicos em Heidelberg, durante o encontro regular dos agostinianos na primavera de 1518. Então, ele passou por uma entrevista excruciante com o cardeal Cajetam, em Augsburg, naquele outono. Foi tão doloroso que, Lutero lembra, ele não podia nem andar a cavalo, porque seu intestino esteve solto da manhã à noite.

Oposição à autoridade
Lutero tinha boas razões para estar ansioso. O assunto rapidamente deixou de ser a respeito de indulgências, ou as indulgências de Tetzel, (que eram extraordinárias sob qualquer ponto de vista), mas a autoridade da Igreja: o papa tinha o direito de cobrar tais indulgências?
O assunto da questão original – se os seres humanos podem tirar do tesouro dos méritos de Cristo, confiados à Igreja, para alterar sua posição diante de Deus – não era uma grande preocupação para os oponentes de Lutero. Na verdade, eles eram repetidamente proibidos de debater com ele a esse respeito. A questão era, ao contrário, se a Igreja podia declarar que era assim e esperar obediência.
O assunto central do debate de Leipzig tornou-se público no fim de junho, em 1519, uma ocasião magnífica. Os estudantes de Wittenberg foram armados com bastões. O bispo local tentou proibir o debate, e o duque George da Saxônia, que o patrocinou, colocou uma guarda armada para garantir que tudo aconteceria dentro da ordem. No fim, ficou claro que Lutero estava formando uma revolução que atingiu a própria Igreja.
Em resumo, Lutero declarou que “um simples leigo armado com as Escrituras” era superior tanto ao papa e aos concílios sem elas. Dessa forma, Lutero ricamente mostrou-se merecedor da bula (documento papal), que o ameaçava de excomunhão, que veio em 1520. Ele respondeu a ela queimando tanto a bula quanto a lei do cânon.

Seus três ensaios mais importantes
Lutero, então, explicou nos mínimos detalhes as conseqüências práticas de sua teologia. Naquele verão ele escreveu os que são, indiscutivelmente, seus três tratados mais importantes: Discurso à nobreza cristã, O cativeiro babilônico da igreja e A liberdade do cristão. Com estes três ensaios, ele colocou a si mesmo e aos seus (então) muitos simpatizantes em oposição à quase toda a teologia e prática da cristandade no fim da Idade Média.
No primeiro, ele pede aos líderes que tomem em suas próprias mãos a reforma necessária da Igreja, ao mesmo tempo em que argumenta que todos os cristãos são sacerdotes.
No segundo, reduziu os sete sacramentos; primeiro a três (batismo, Ceia do Senhor e penitência), depois para apenas dois, enquanto alterava radicalmente seu caráter.
No terceiro, disse aos cristãos que eles eram livres da lei (em particular das leis da Igreja), ao mesmo tempo em que eram prisioneiros em amor do seu próximo.

“Não me retratarei”
A Dieta (ou encontro) de Worms, que aconteceu na primavera de 1521, foi, portanto, em um sentido, pouco mais do que um efeito marola de um navio que já havia zarpado. O imperador de Roma, Charles V, (que também era Charles I da Espanha) nunca tinha estado na Alemanha. Ele convocou a Dieta para encontrar os príncipes da Alemanha, os quais conhecia muito pouco e precisava cortejar desesperadamente. Mas este frei conhecido pelo nome de Lutero também precisava ser abordado.
Lutero deixou Wittenberg para estar presente na Dieta convencido de que finalmente teria a audiência que pediu em 1517. Quando foi introduzido na Dieta, Lutero ficou surpreso em ver o próprio imperador Charles V. Ele estava cercado pelos seus conselheiros e representantes de Roma, tropas espanholas, vestidos com seus melhores trajes de desfile, eleitores*, bispos, príncipes de território e representantes das grandes cidades. No meio desta augusta assembléia estava uma mesa com uma pilha de livros.
Lutero foi questionado se havia escrito os livros, e se havia alguma parte que ele desejava retratar. Ficou surpreso; aquilo não ia ser um debate judicial, mas um interrogatório. Lutero ficou bastante confuso, tropeçou e implorou por outro dia: “Isto toca Deus e sua Palavra. Isto afeta a salvação de almas. Eu imploro, dê-me mais tempo.”
Ele teve um dia e, de volta aos seus aposentos, escreveu: “Assim como Cristo é misericordioso, eu não retirarei nem um pingo do texto.”
No dia seguinte, os negócios da Dieta atrasaram o retorno de Lutero até tarde da noite. A luz das velas tremeluzia sobre a multidão de dignitários que se espremiam na grande sala.
Ele foi novamente questionado: “Você defende estes livros, todos juntos, ou você deseja retirar algo do que disse?” Lutero replicou com um pequeno discurso, o qual repetiu em latim.
Havia três tipos de livros na mesa, ele declarou. Alguns eram sobre a fé cristã e as boas obras, e estes ele certamente não corrigiria. Alguns atacavam o papado e corrigir estes seria encorajar à tirania. Finalmente, alguns atacavam o indivíduo (e, Lutero admitiu, talvez de maneira muito difícil), mas ainda estes não podiam ser corrigidos porque estas pessoas defendiam a tirania papal.
Com certeza, veio a resposta, um indivíduo não podia colocar dúvida na tradição de toda a Igreja! Então o examinador declarou: “Você deve dar uma resposta simples, clara e própria.. Você se retratará ou não?”
Lutero replicou: “A menos que eu possa ser instruído e convencido com evidências na Palavra de Deus ou com raciocínio aberto, claro e distinto... Então, não posso e não me retratarei, porque não é seguro ou sábio agir contra a consciência.”
Então, ele completou: “Isto é o que penso. Nada posso fazer diferente disso. Que Deus me ajude! Amém.”

Cavaleiro George
Quando as negociações não tiveram êxito em conseguir qualquer concessão, Lutero foi condenado. Ainda assim, recebeu salvo-conduto, como havia sido prometido antes de ele vir, mas somente por 21 dias.
Mas assim que Lutero e seus companheiros começaram a voltar para Wittenberg, quatro ou cinco cavaleiros armados saíram da floresta, arrancaram Lutero de sua carruagem e o arrastaram de lá às pressas. Rapidamente, ele foi informado de que fora seu príncipe, Elector Frederick, O Sábio, que o seqüestrara para mantê-lo a salvo. Logo chegou a Wartburg, um dos castelos de Frederick. Lutero era um fora-da-lei; qualquer um podia matá-lo sem temer represálias de uma corte da lei.
Lutero detestava sua estada forçada em Wartburg. Como “cavaleiro George” (sua nova identidade), ele agora comia como um nobre e sua nova alimentação irritava seu aparelho digestivo. Ele sentia falta de seus amigos em Wittenberg, e odiava ficar afastado da luta. Até fez planos de fazer uma visita à Universidade de Erfurt, onde estaria fora da jurisdição. Isto falhou, mas ele conseguiu um cavalo e fez uma viagem até Wittenberg, de onde retornou muito aliviado com o curso dos eventos entre seus amigos.
Apesar de suas reclamações sobre solidão forçada e sua própria “preguiça”, os dez meses no gelo de Lutero estão entre os mais produtivos de sua vida. As obras teológicas e acadêmicas continuaram, com seu Comentário sobre o Magnificat, tocante e quase autobiográfico, o incompleto Postillae e a tradução do Novo Testamento, do qual ele fez um rascunho em 11 semanas.
Mas o que começou com suas palestras e as 95 Teses estava agora virando um movimento popular. Ele sentia-se obrigado a responder às perguntas práticas das pessoas. Ele o fez sob forma de tratados, tais como Sobre a confissão, A abolição das missas particulares, e acima de tudo, Sobre os votos monásticos.
O último se destaca como um dos mais extraordinários trabalhos jamais escritos por uma figura pública. Por toda a Alemanha, em particular Wittenberg, monges e freiras estavam fugindo de seus monastérios e clausuras – alguns por razões de consciência, outros por pura conveniência. Desprezar a religião estava virando algo comum. Ao mesmo tempo, os defensores da velha Igreja insistiam na inviolabilidade dos votos monásticos.
Totalmente consistente com seu A liberdade do cristão, Lutero tomou uma estrada intermediária. Toda a questão era se e como alguém podia servir melhor ao próximo. Se alguém o fizesse sob as ordens sagradas, então que permanecesse assim. Por outro lado, os votos monásticos não eram uma prisão, e se alguém serve o próximo melhor fora do monastério ou da clausura, então que viva no mundo. A liberdade de servir, portanto, tornou-se um marco na Reforma Luterana Alemã.

Decisões controversas
Conforme sua revolução se expandia, Lutero foi cada vez mais se atirando na arena pública. Ele retornou abertamente a Wittenberg, no início da primavera de 1522, e sem pedir a permissão do eleitor, retomou o púlpito e pregou sobre a obrigação de amar o próximo. A decisão de retornar nasceu de sua convicção de que o movimento incipiente da Reforma (alguns afirmavam que os cristãos deviam se casar e que os monges e freiras deviam tornar-se leigos) não estava respeitando a liberdade cristã ou as consciências fracas.
Em tempo, Lutero foi forçado a tomar outras decisões, muitas das quais ainda são controversas.
Quando houve agitação, resultante da Guerra dos Camponeses, em 1524–1525, ele primeiro condenou os príncipes e depois os exortou a esmagar a revolta.
Quando Erasmus, famoso estudioso humanista, duvidou de que a verdade sobre se os humanos têm livre-arbítrio pudesse ser conhecida, Lutero replicou: “O Espírito Santo não é um cético”, e acusou Erasmus de não ser cristão.
Quando os reformadores suíços Zwingli e Oecolampadius questionaram se o corpo e sangue de Cristo estavam realmente nos elementos da Ceia do Senhor, Lutero respondeu: “Mera física!”, e ajudou a inflamar a controvérsia que por fim dividiu as Igrejas Luterana e Reformada.
Seu tremendo esforço em criar um novo clero e uma igreja reformada também trouxe as autoridades civis mais diretamente para o governo diário da Igreja.
Sua decisão de se casar com uma freira que fugiu, Katharina von Bora, escandalizou a muitos. Para Lutero, o choque era acordar de manhã com “tranças no travesseiro ao meu lado”.
Sobre o seu esforço contínuo de traduzir a Bíblia para o alemão, ele disse: “Se Deus quisesse que eu morresse pensando que sou um homem inteligente, não teria me colocado na missão de traduzir a Bíblia.”
Com todas estas decisões e ações, Lutero exibiu uma incrível consistência. O grande marco de sua vida é o modo como ele uniu sua personalidade e sua doutrina vigorosas. Para ele, a doutrina nunca foi uma questão meramente intelectual ou acadêmica. Pelo contrário, era a própria vida. No prefácio de “Large Catechism” [Grande catequese], ele insiste em que os cristãos leiam e releiam suas catequeses para que “com tal leitura, conversa e meditação o Espírito Santo esteja presente e derrame sempre luz e fervor cada vez maiores e renovados”. Ele queria que todos os cristãos se tornassem pessoas ensinadas por Deus.

Dr. James M. Kittelson é professor de História na The Ohio State University, Columbus, Ohio, e autor de Luther the Reformer [Lutero, o reformador] (Augsburg, 1986).

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