segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Entrevista com o teólogo Jürgen Moltmann

Para o teólogo Jürgen Moltmann, a esperança precisa ser exercitada para causar efeitos nos dias de hoje.

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Do alto de seus 82 anos de vida, o escritor, pastor e professor Jürgen Moltmann concedeu uma entrevista a CRISTIANISMO HOJE durante esta sua segunda – e, provavelmente, última – estada no país. Ele falou aos participantes de um congresso de teologia e lançou o livro Testamento teológico para a América Latina.

CRISTIANISMO HOJE – O senhor diz que esta sua viagem ao Brasil é a apresentação de seu “testamento teológico” para a América Latina. Qual seria a principal herança de sua obra?

JüRGEN MOLTMANN – O debate sobre a esperança. Precisamos de fé, esperança e amor; mas destaco que é necessário aplicar a esperança não somente na eternidade, mas também exercitá-la para que cause efeitos nos dias de hoje. A maioria dos cristãos está aguardando o céu, e não uma nova Terra, de onde brote justiça.

Essa é sua proposta a partir do livro Teologia da Esperança: uma abordagem da esperança que fuja ao sentimento de resignação. Então, ela é uma força capaz de transformar o mundo?
Exatamente. Nos tempos em que vivemos, presenciamos milagres e sinais, certamente não feitos por teólogos, mas por Deus. Acompanhamos o fim do appartheid na África do Sul e muitas outras revoluções democráticas que deixaram para trás formas de ditadura política e militar. Agora, estamos acompanhando a queda do capitalismo, tendo a oportunidade para viver em um mundo mais livre e justo. A maioria dos crentes pensa que espiritualidade é orar; porém, no Novo Testamento, aprendemos que é preciso orar e vigiar. Precisamos de uma espiritualidade dotada de sentidos – ou seja, em uma forma bem figurativa, ao invés de fechar os olhos, temos de abri-los para orar. Uma Igreja desconectada do cotidiano não tem futuro, só passado.

O senhor acha que a crise atual é a derrocada do capitalismo, assim como o colapso do socialismo no fim dos anos 1980?
Bem, não estou satisfeito com esse capitalismo. Espero que consigamos pôr em prática um capitalismo mais social, ou seja, um capitalismo em que o Estado regule de forma mais efetiva a economia. Há um bom tempo, a Alemanha vem tentando fazer isso: desenvolver uma economia social e ecológica, para que o mercado seja para o ser humano e o ser humano não seja sacrificado pelo mercado.

Isso tudo está relacionado à Teologia Política, ou Teologia Pública, que o senhor inaugurou e sempre destacou?
Sim. Isso inclui refletir o aspecto público e a justiça no Reino de Deus. A teologia pública é a política pensada teologicamente e a teologia na abordagem política; por outro lado, também é a cultura num aspecto teológico e a teologia sob o aspecto cultural. Ou seja, a teologia dialoga com a Igreja e a Igreja dialoga com a teologia. Porém, o futuro da Igreja e da teologia é o Reino de Deus, e isso tem de ser o centro de tudo. Estamos numa globalização sem globo, ou seja, a Terra não tem voz nem vez nesse processo. Precisamos de uma nova política da Terra, uma nova economia da Terra, isto é, uma nova ligação com o organismo vivo que a Terra representa.

Logo, a atuação do teólogo vai muito além da Igreja...
Claro que sim! Eu, por exemplo, já fui convidado para ser teólogo em uma faculdade de medicina.

O senhor enfatiza muito a questão de um suposto sofrimento de Deus. Qual é o valor da cruz e da morte de Cristo para Deus nessa linha de pensamento?
Deus sofre para estar próximo de todos os que sofrem por solidariedade e amor. Cristo deixou tudo para procurar aqueles que foram deixados por todos. É a nova forma de uma cristologia de solidariedade – e, como a maioria das pessoas são vítimas e não opressores, precisamos de uma cristologia que pronuncie claramente que Cristo está ao lado das vítimas e que Deus fará justiça.

Paulo Freire, famoso educador brasileiro, dizia que “ninguém liberta ninguém; ninguém se liberta sozinho. Os homens se libertam em comunhão”. Esta frase, refeita de acordo com a sua teologia, talvez ficasse algo assim: “Ninguém liberta ninguém; ninguém se liberta sozinho. O homem se liberta na comunhão cristã que experimenta Deus no outro”. É nisso que o senhor acredita?
Isso me lembra Dostoiévski, que dizia que “o ser humano deve se libertar por conta própria”. Passei pela experiência de ser um prisioneiro de guerra por três longos anos e fui liberto por Cristo. Não tive condição de libertar-me a mim mesmo. Paulo Freire tem uma posição humanista. Eu sou um teólogo cristão, apesar de contra a minha própria vontade, pois queria estudar Física e Matemática. Mas eu respeito os humanistas que querem se libertar por conta própria.

Então é possível crer em Deus após Auschwitz?
Sem dúvida. O texto O Deus crucificado é minha resposta a Auschwitz e ao horror que vivi na guerra. A minha pergunta é: em quem se deve crer depois de Auschwitz, senão em Deus?

A Teologia da Libertação teve muita força aqui na América Latina, mas o senhor foi um dos poucos teólogos europeus a dialogar com essa teologia. Enfrentou muitas reações por isso?
A maioria dos colegas não abraçou a Teologia da Libertação simplesmente porque eram ocupados e preocupados demais com suas teologias denominacionais e confessionais. Não lhes sobrava tempo para dialogar com o mundo, com as teologias ecumênicas e tudo o mais que acontecia ao redor. A resposta mais infame que já escutei sobre isso foi algo como “a teologia feminista é para a mulher, e a teologia negra é para os negros”. Eles não aceitavam o desafio que o outro pode trazer para o diálogo, aprofundando a sua própria teologia.

O que dizer acerca do fundamentalismo?
Os fundamentalistas nas igrejas protestantes deveriam ler e estudar a Bíblia e tentar entender o que temos de viver. Os bispos do Opus Dei deveriam ler os textos do Concílio Vaticano II. Eles estão esquecendo daquele legado, e isso é uma vergonha! E também é uma vergonha que os protestantes estejam lendo a Bíblia como se fosse o Corão. Deus se tornou em Cristo não um livro, mas sim, um ser humano. Por outro lado, os fundamentalistas também são seres humanos e precisam ser acolhidos, assim como as crianças, que não podem crescer sem o amor e respeito dos seus próprios pais. Eu não aconselho falar com fundamentalistas sobre o fundamentalismo, mas sobre experiências de vida e de como eles administraram os sofrimentos, desafios etc.

O senhor foi colega de docência do teólogo alemão Joseph Ratzinger, hoje o papa Bento XVI. Conte sobre essa experiência.
Ratzinger passou por uma experiência traumática em 1968, época da revolução estudantil. Na época, ele passou por um medo apocalíptico, com uma idéia fixa no diabo – destaco que ele escreveu isso em sua biografia, portanto não se trata de difamação. E desde então, ele tenta combater o marxismo ateísta. Só que esse marximo não existe mais na Europa. Na sua última encíclica, a da Esperança, ele gastou três páginas para matar o marxismo. E eu lhe escrevi uma carta dizendo: “Você matou um cadáver”. É por isso que Bento XVI persegue tanto os teólogos da libertação, porque, segundo sua concepção, isso se trata de marxismo. Gente como Jon Sobrinho e Leonardo Boff não são marxistas, isso é uma besteira!

E o que o senhor pensa sobre o papado?
Não o considero uma instituição evangélica.

Quais os seus livros prediletos?
A Bíblia, especialmente o Antigo Testamento; O princípio da esperança, de Ernst Bloch; e A dogmática da Igreja, de Karl Barth. Mas este último tem cerca de 8 mil páginas... [risos].

A despeito de todos os adjetivos que lhe devotam, como o senhor gostaria de ser lembrado?
Sou apenas um simples cristão que busca entender sua fé. Nada além disso.

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